quinta-feira, 10 de novembro de 2011

sem titulo

Como se o vento fosse uma folha em branco. Como se o tempo fosse um lápis colorido que desenhasse desejos imortais. Como se a vida fosse um livro cheio de janelas abertas ao mundo. Como se tudo junto, formasse as nuvens que nos cobrem, diurnas, na nossa memória da infância nunca perdida. Como se uma pétala precisasse de moldura para ser mais bela. Como se o campo, todo, não fosse mais que um canto obscuro do conhecimento que temos dos dedos que semeiam vontades e colhem desejos, nos teus olhos.

Olho a tua boca de sede e revejo as asas que os pássaros abrem por sobre a nossa cabeça, no momento do beijo.

Olho, e vejo o fundo diáfano da solidão a dois, olhos de lágrimas choradas há pouco quando pouso as mãos no teu cabelo que o vento teima em alvoraçar, e acalmo o que me resta do coração, pensando no teu ventre, onde repousei, cansado da guerra que os sonhos abrigam.

Passo na imensidão que é uma vida, ao longe, e no conforto de um afago, esse desejo adiado, infindo, distante, perene, como se o vento fosse uma folha em branco, onde caminhando, vou desenhando letras de um alfabeto indistinto, incompreensível. Indizível.

Sobram palavras no meu canto, apoucado, dedilhando as cordas tensas e cansadas de um instrumento ensandecido. Evoco cenas de um mito há muito desgastado resguardando segredos que ditarei ao mais fundo dos oceanos, miragem, em que o deserto transforma uma rocha escondida na areia ondulante por onde o sol vai desenhando o seu tormento.

Como se o vento fosse uma folha em branco, traço a traço, vai deixando arestas nos lençóis onde nos deitamos, exauridos, num longo abraço, eterno, aonde nos perdemos e mais não queremos o fim. Temos o mar, esse imenso manto de água que são as nossas lágrimas simultâneas. Temos os dedos, esses instrumentos que fazem magia de cada vez que se tocam e acendem lumes na pele. Temos o desejo, esse grande mistério que é a vontade. Temos a fome, essa grande boca que nos consome e grita e morde e se abre e sorve todo o ar que respiramos e beija com a urgência que todos os amantes têm da noite.

Como se o vento fosse uma folha em branco, pudera eu escrever no ar que nos envolve as palavras que nos iriam salvar, letra a letra, com o sangue que nos abandona, na lenta agonia dos sentidos.

Assim, fundidos, somos a parte mais obscura do universo. Fosse o vento uma folha em branco e nasceriam estrelas no lugar dos olhos de toda a humanidade e a noite seria dia e todos os verbos se uniriam no plural.

Fosse o vento uma folha em branco e já não seriamos nós, mas tudo.


LAM

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Em Fevereiro há um nome

O meu amor por ti tem lágrimas desde o teu nome. Diz-me o que serás quando a ausência deixar de fazer sentido e tudo à volta não mais ser estranho. Ser estrangeiro em si próprio é avassalador. Deixei de ser náufrago no meu elemento. Temo o destino de morrer na praia. Penso-te. Há um sonho à minha porta em que entro sempre que dela saio e me deixo envolver por ti. Somos o mesmo passado. A esfera da vida continua à deriva pelo tempo. Encontramo-nos na encruzilhada dos sentidos. A pele. Envolvemo-nos. O hálito prolongado no beijo. Os olhos fechados. A imagem das mãos inquietas. O corpo que pulsa. Um relógio de sangue. Um desejo a dois. Um compasso de espera. Olhos nos olhos e o reflexo do espelho. Tu. Eu. Nós. A volúpia dos cabelos no corpo despido. As flores na cama. O aroma da tarde. A descoberta da luz. A noite inquieta. Fechamo-nos no silêncio do pecado porque assim é melhor vivido. Sinais nocturnos deixam-nos em sossego. Vivemos no silêncio. Vivemos do silêncio. Amamos em segredo. Pausadamente enlaçamos os corpos até que fique só um. Espasmo. O teu púbis no meu. Quietos. Adormecidos. Só há vida no interior de nós. Um coração que bate no ritmo do outro. O respirar despojado. Um encontro a sós. Procuro-te. Encontro-te no exacto sítio onde estou. Dissolvemos as lágrimas na saliva da língua. Tudo quanto quero tu tens. Tu dizes não precisar de mais nada. Que dia é hoje? É um dia igual aos demais. É um dia de amar. Não precisamos palavras. Temos as mãos e os dedos. A água do corpo. O açúcar. O sabor salgado do suor. A emoção repartida. O encanto do olhar. Já te disse que te amo? Aqui e agora. Só conjugamos no presente. O eterno presente. O gosto dos teus lábios. A urgência. O infinito já. Até que desfalecidos nos tranquemos no abraço quieto. O teu nome é uma palavra imensa. Amantes. Perdidos no oceano dos sentidos. Encontrados adormecidos pela madrugada. A única resposta possível. O teu aceno. O teu colo. O teu peito. A minha mão. Quero, dizes. Sou, respondo. Nada mais resta senão a solidão dos dedos entrelaçados. Selamos assim um pacto. Amor.

LAM

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

sem titulo

tenho uma bússola avariada
o norte mudou de lugar
não sei da porta de entrada
mas ainda te tenho a ti, para amar

a palavra está a meio caminho
abraça-me agora, nada digo
nada sei, apenas sinto
o que quero ser contigo

resta-nos o silêncio, um beijo
no rosto nos revemos
será assim que nos temos.

o que dizemos, sussurro,
aos ouvidos mal nos chega
se o desejo nos aconchega

LAM

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Segredos de mel

O teu peito move-se adivinhado pelo lençol que te cobre os seios. Dormes. Um sono solto, seguro, improvável. O teu rosto denuncia a inocência dos teus dias de menina. Serena. A tua tez revela o teu ócio. Praia. Morena. Salgada e de cabelos amarelos. Naturais. Ao almoço, o teu sorriso branco, completo, contagiante, fazia-se ouvir por cima do prato de salada que partilhamos. Não tens passado, nem tens futuro. Toda tu estás no presente. É assim que decides viver. Intensa. Encontro-te vestida de nada com uma maçã na mão e os teus olhos pousados nos meus. Descalça. Permanecemos imóveis a tentar adivinhar o desejo do outro. O teu cheiro a mel invade os meus sentidos. Sorris, travessa. Sabes o que provocas. O que acontece. O que vai acontecer. É o nosso destino de crianças. Sempre foi assim. É assim que tem de ser. O tempo passou. É passado. O tempo que virá ao tempo pertence. Nada é mais que uma miragem sem sentido. Ambos sabemos isso. Resta-nos o que temos hoje. É sempre ao hoje que voltamos. Abraço-te. O teu odor a mel agora é meu também. O teu beijo é urgente no meu encontro, não menos urgente. Os teus seios que se moviam no lençol fazem agora parte de mim. Estão em mim. Tens o gesto quente. A tua língua solta. Os dentes. Procuramos o tempo. Todo o tempo em que não nos tivemos. Passado, presente e futuro estão agora aqui, em nós, de olhos fechados a ler no outro o que somos, o que temos. Estamos. O sorriso, as lágrimas e a dor do encontro fazem crescer o desejo. Não é um desejo qualquer. É um sonho adiado. A concretização desse tempo. Ofereces-me a maçã da tua boca que eu sorvo, satisfeito, os teus lábios amora. Num abraço vamos a pouco e pouco anunciando a pele e entre nós mais nada cabe na união perfeita das almas. Os dois num só. Momento. Presente. Pressente o dia-a-dia de cada vez que se renuncia. Procura. Encontro. Esse amor da entrega na entrega do amor. O calor dos corpos. O corpo a dois. Nada mais. Um suspiro uníssono e o abandono. As palavras que não são ditas. A noite nos ombros. O esboço num livro aberto. A vida. Despertos, resta o silêncio. Já tudo foi dito. Já tudo foi consentido. Por cima de nós, o tempo, porque nos consome, nos liquefaz no sono, para onde nos refugiamos. Já não precisamos partir. Todos os caminhos nos conduzem à chegada. Ao abraço prolongado nas mãos. Já nenhum desejo temos para cumprir. Saciados, nos quedamos completos. O teu peito sobressai no lençol, onde permaneces no repouso. Já não mais luta, já não mais dor, já não mais ansiedade nem angústia. Estamos completos. Nada mais nos resta sempre que encontramos as nossas bocas. Tu devolves-me em desejo o que eu te dou em serenidade. Uma troca feliz, quando tudo nos completa. Cheguei. Chegamos. Somos. Guardo a maçã na memória. O jogo que brincamos em segredo. Agora que me deito a teu lado e ouço o teu respirar sereno, já posso dormir. Eu guardo o teu sono, Tu devolves-me o sonho.

LAM