sexta-feira, 7 de novembro de 2008

o medo



Olhar com honestidade para os nossos medos também servirá para nos auxiliar na nossa jornada para a maturidade.

...

Em geral quando sentimos temor também ficamos isolados e sozinhos. Porém quando alguém nos faz companhia e fala connosco dos seus próprios medos, então sentimos que estes são universais e perdem o seu gume mais cortante - a dor pessoal. Os medos são levados de volta ao seu contexto humano e universal, e assim já somos capazes de compreender, de sermos mais compassivos, de lidar com os nossos próprios receios de um modo mais inspirado e positivo.

Sogyal Rinpoche, "O Livro Tibetano da Vida e da Morte", pag. 218 e 219, O Saber do Oriente, Editora Prefacio

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

DECIFRANDO A HISTÓRIA: O livro tibetano dos mortos


No próximo dia 29 de Outubro de 2008, pelas 15 horas passará no canal História na Televisão por cabo, o documentário sobre O Livro Tibetano dos Mortos, cujo titulo verdadeiro em Tibetano é “Bardo Todrol Chenmo” que quer dizer “ A grande libertação através da escuta do Bardo”. 


Os ensinamentos do Bardos são extremamente antigos, encontram-se no que é denominado por Tantras do Dzogchen e têm uma linhagem que se estende muito para lá dos mestres humanos, até ao Buda Primordial, (que em sânscrito se chama Samanthabhadra e em Tibetano Kuntuzngpo), o qual representa a pureza primordial da natureza da mente, absoluta, nua e celestial. Porém, o Bardo Todrol Chenmo em questão é apenas uma parte de um grande ciclo de ensinamentos deixado pelo mestre Padmansabhava e revelado, durante o século XIV, pelo visionário tibetano Karma Lingpa.

A Grande Libertação através da Escuta do Bardo” ou “O Livro Tibetano dos Mortos”, que contém conhecimentos com características únicas, constitui uma espécie de guia ou narrativa de viagens sobre os estados que surgem depois da morte e destina-se a ser lido – por um mestre ou por um amigo espiritual – a uma pessoa que esteja a morrer e também depois do seu falecimento.

Paz

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A meditação


[A Meditação] é uma prática que, simultaneamente, transcende os dogmas das religiões e é a essência das mesmas.




A dádiva de aprender a meditar é a maior que alguém poderá dar a si mesmo nesta vida, uma vez que através dela é possível iniciar a jornada para a descoberta da nossa verdadeira natureza, encontrando a estabilidade e a confiança necessárias para viver e morrer bem. A meditação é a estrada para a iluminação.



Em geral, desperdiçamos as nossas vidas – distraindo-nos do nosso verdadeiro eu – com infindáveis actividades. A meditação, por outro lado, é o caminho para nos trazer de volta a nós próprios, onde podemos realmente experimentar e saborear a totalidade do nosso ser, oculto por detrás dos padrões dos hábitos. As nossas são vividas num esforço intenso e ansioso, num remoinho de velocidade e agressão, com competição, apegados a isto e àquilo, aumentando cada vez mais o fardo com novas actividades extenuante e novas preocupações. A meditação é exactamente o oposto, é quebrar completamente o modo como “funcionamos” normalmente, uma vez que se trata de um estado livre de todos os cuidados, em que não há competição, não há o desejo de possuir ou de nos apegarmos a qualquer coisa, não há lutas intensas ou ansiosas nem desejo ardente de vencer. É um estado sem ambições, onde não existe aceitação ou rejeição, esperança ou medo, um estado em que começamos lentamente a libertar todas essas emoções e conceitos que nos aprisionaram e entramos num estado de simplicidade natural.

Sogyal Rinpoche, "O Livro Tibetano da Vida e da Morte, "O Saber do Oriente", Editora Prefacio  

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

O que é o estado meditativo?



Thuan – O budismo fala de um nível mais elevado de consciência, de um estado de consciência não comum, que se pode atingir pela meditação. O que é o estado meditativo? Antecipa o sabor do conhecimento perfeito? É um estado em que o intelecto é reduzido ao silêncio, em que a intuição assume o controlo, em que a consciência habitual do tempo e do espaço é ultrapassada e em que se faz a experiência da nossa própria unidade e da unidade do mundo?


Matthieu – O budismo e a sua ciência contemplativa são consideradas como uma via porque está em causa uma transformação gradual da forma como o nosso espírito funciona, porque está em jogo uma purificação do nosso fluxo de consciência que o leva da confusão ao conhecimento perfeito. Ao longo desta marcha, passa-se por diferentes etapas que, numa palavra, correspondem à estabilização dos pensamentos discursivos, a uma lucidez e a uma serenidade crescentes, a uma visão ininterruptamente mais apurada da natureza dos fenómenos exteriores e da consciência e sobretudo a uma libertação cada vez mais completa dos factores mentais que habitualmente obscurecem o espírito. Descobre-se, então, a verdadeira natureza do espírito, que é a felicidade e compaixão, vazias e luminosas, desprovidas de qualquer fixação mental. Porque o apego ao eu já não tem razão de ser, as noções de meu e de teu desmoronam-se também. Conclui-se que só o espírito pode percorrer este caminho e chegar ao seu próprio conhecimento. 

Matthieu Ricard e Trinh Xuan Thuan, O Infinito na Palma da Mão, Editorial Noticias, 2001, pag. 248

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Integrar a noção de impermanência na nossa maneira de ver as coisas


Buda dizia: "Da mesma forma que as pegadas do elefante são as mais vincadas, a impermanência é a ideia mais importante sobre a qual o um budista deve meditar." A impermanência do macroscópico é evidente aos olhos de todos, mas a reflexão sobre a impermanência subtil tem consequências ainda mais profundas. Os fenómenos trazem em si mesmos, naturalmente, o fermento da sua própria transformação e nenhuma entidade imutável pode existir no universo. É, aliás, esta maleabilidade dos fenomenos e da consciência que permite o processo de transformação que, finalmente, conduz ao conhecimento perfeito.

Mathieu Ricard e Trinh Xuan Thuan, O Infinito na Palma da Mão, Editorial Noticias, 2001, pag. 134

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Infinito


Ver um universo num grão de areia,
E um paraíso numa flor selvagem,
Conter o infinito na palma da mão,
E a eternidade no tempo de uma hora.

William Black, Auguries of Innocence, in “Complete Writings of William Black”



Ver num átomo
E em cada átomo,
A totalidade dos mundos,
Eis o impensável.

Buda, Avamtasaka Sutra, “The flower ornament scripture”

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Ver Claro

Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar do sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.

Poesia, Eugénio de Andrade, Fundação Eugénio de Andrade, pag. 581


terça-feira, 19 de agosto de 2008

Habits of Happiness

O que é a felicidade e como podemos nós alcançá-la? Matthieu Ricard diz que podemos treinar as  nossas mentes no hábito do bem estar, para gerar um sentido verdadeiro de serenidade e de realização. Video emitido por TED, filmado em Fevereiro de 2004 e "postado" em Novembro de 2007

Matthieu Ricard: Habits of happiness

nota minha: este vídeo provocou, no Youtube, alguma celeuma em redor da questão da homossexualidade e da "aparente" opinião de S.S. o Dalai Lama. Nesse sentido achei útil transcrever o que S.S. disse no seu livro Conselhos do Coração, escrito precisamente com a colaboração de Matthieu Ricard e editado pela ASA em 2004.

"Aos Homossexuais

Muita gente me pergunta o que penso da homossexualidade. Se tiverem uma religião, é melhor decidirem o que devem fazer em função da vossa crença. Alguns cristãos dizem que a homossexualidade é uma falta grave e outros, não. Alguns budistas admitem-na e outros consideram que ser homossexual equivale praticamente a deixar de ser budista.

Segundo os textos fundamentais  do budismo há dez actos negativos a evitar, entre os quais a má conduta sexual*. A má conduta sexual designa sobretudo o facto de ter relações com o cônjuge de outra pessoa, mas inclui igualmente a homossexualidade, as relações sexuais pela boca ou pelo ânus e a masturbação. Isso não significa que essas práticas nos excluam do Budismo. À parte as visões falsas - que consistem em pensar que o Buda ou a lei de causalidade não existem -, nenhum dos dez actos negativos, incluindo matar, tem por efeito fazer com que deixemos de ser budistas. Aquele que mata um ser humano comete, não há dúvida, um acto extremamente negativo. Se for um monge e se ainda por cima tentar esconder o seu crime, rompe definitivamente os seus votos e deixa de fazer parte da comunidade monástica. Contudo, pode continuar a praticar a via.

Se não tiverem uma religião e desejarem ter relações sexuais com uma pessoa do mesmo sexo, de comum acordo, sem que haja violação ou qualquer outro tipo de abuso, e se encontrarem desse modo uma certa forma de satisfação não violenta, não tenho nada a dizer. Creio mesmo, e é um ponto importante, que é injusto os homossexuais serem por vezes rejeitados pela sociedade, punidos ou despedidos do seu emprego. Não os podemos colocar no mesmo plano que um criminoso.

Creio que para o Budismo em geral a homossexualidade constitui sobretudo uma falta relativa a certos preceitos. Não que seja prejudicial em si, contrariamente à violação, ao homicídio ou a outros actos que fazem sofrer os outros. O mesmo se aplica à masturbação. Sendo assim, não há qualquer razão para rejeitar os homossexuais ou ter para com eles uma atitude discriminatória.

Acrescentaria que tão-pouco é justo denegrir sistematicamente as religiões que proscrevem a má conduta sexual, simplesmente por isso não condizer com as nossas ideias ou com a nossa maneira de ser. Antes de criticar uma regra é bom tentar compreender as verdadeiras razões que a motivam."

*Os restantes nove são: matar, roubar, caluniar, mentir, proferir palavras que magoam, pronunciar palavra inúteis, invejar, querer mal e manter visões falsas.

Conselhos do Coração, S.S. o Dalai Lama, edições ASA, pags 56 e 57

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Matthieu Ricard


O homem mais feliz do mundo?

…e pode aprender como ele o faz, diz o académico tornado monge Budista.

Por Anthony Barnes
Domingo, 21 de Janeiro de 2007

Para os cientistas, ele é o homem mais feliz do mundo. O seu nível de controlo da mente é impressionante e os impulsos positivos do seu cérebro estão fora de escala.

Agora Matthieu Ricard, de 60 anos, um académico Francês que se tornou monge Budista, partilha o seu segredo para fazer do mundo um lugar feliz. O truque, na sua opinião é colocar algum esforço nisso. Em essência, a felicidade é uma faculdade que precisa de ser aprendida.

O seu conselho não pode ser adequado ao que amanhã a Grã-Bretanha vai ter aquilo, que de acordo com observação científica, será o mais miserável dia do ano. As sempre velhas e quebradas resoluções de Ano Novo, o decaimento do burburinho do Natal, dívidas, falta de motivação e o tempo invernoso conspiram para criar um pico de condições desfavoráveis e um sentimento de tristeza e de falta de esperança.

Todavia estudos têm mostrado que a mente pode ultrapassar isso e incrementar felicidade a quase toda a gente. Matthieu Ricard, que é o intérprete francês do líder espiritual Tibetano, S. S. o Dalai Lama, toma parte em testes para mostrar que o cérebro treinado na via da meditação pode causar uma muito forte mudança nos níveis de felicidade.

MRI (Imagem de Ressonância Magnética) mostram que ele e outros meditadores de longo termo – que completaram mais de 10.000 horas de meditação cada – experienciaram um elevado nível de “emoções positivas” no córtex pré-frontal esquerdo do cérebro, o qual está associado com a felicidade. O lado direito, que coordena os pensamentos negativos, apresenta-se suprimido.

Outros estudos mostram que mesmo noviços com apenas poucas praticas de meditação, incrementaram os seus níveis de felicidade. Mas Matthieu Ricard superou todos os envolvidos nos testes realizados.

“A mente é maleável”, Matthieu Ricard disse-o ao “The Independent on Sunday”, ontem. “A nossa vida pode ser grandemente transformada por mesmo uma mínima mudança em como nós trabalhamos os nossos pensamentos e percepções e interpretamos o mundo. A felicidade é um conhecimento que requer esforço e tempo”.

Matthieu Ricard cresceu no meio da elite intelectual de Paris nos anos 1960, mas depois de ter trabalhado para o PhD em Bioquímica, abandonou a sua distinta carreira académica para se tornar um estudante do Budismo Tibetano nos Himalaias.

Um livro de conversações filosóficas em conjunto com seu pai, Jean-François Revel, O Monge e o Filosofo tornou-se um estrondoso fenómeno aquando da sua estada em França no idos de 1990.

Matthieu Ricard, publicará o seu livro Em Defesa da Felicidade no próximo mês em Inglaterra.

Tradução minha, do artigo publicado em www.independent.co.uk 

sábado, 16 de agosto de 2008

Intencionalidade e emoções positivas fortes


Para transcender o sofrimento é importante desenvolver, em paralelo com o reconhecimento da natureza profunda do espírito, uma forte intencionalidade. Uma vez que o sofrimento desencadeia em nós emoções negativas muito fortes, temos de contrapor-lhes emoções positivas igualmente intensas. No inicio desse processo pode pensar: "O sofrimento pelo qual estou a passar é tão dolorosoque desejo que ninguém tenha de passar pelo mesmo". Durante algum tempo, tente desenvolver e cultivar este pensamento.

Em seguida, pense: "Já que não posso evitar o problema ou a dificuldade que estou a viver, que ao menos ele possa servir para resgatar o sofrimento alheio. Que todos os problemas semelhantes ao meu se concentrem no meu problemae que todas as pessoas que estão a sofre como eu sejam libertadas do seu sofrimento!" Tome algum tempo para tornar este pensamente real e sincero, até sentir uma profunda alegria que lhe fará vir as lágrimas aos olhos. Nesse instante, constataré que o seu sofrimento lhe parece mais leve e quase inexistente.

(Tsering Paldrön, A Alquimia da Dor, Pergaminho, pags 162/3) 

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Serenidade és minha

À Memória de Fernando Pessoa

Vem, serenidade!
Vem cobrir a longa
fadiga dos homens,
este antigo desejo de nunca ser feliz
a não ser pela dupla humanidade das bocas.

Vem serenidade!
Faz com que os beijos cheguem à altura dos ombros
e com que os lábios cheguem à altura dos beijos.

Carrega para a cama dos desempregados
todas as coisas verdes, todas as coisas vis
fechadas no cofre das águas:
os corais, as anémonas, os montros sublunares,
as algas, porque um fio de prata lhes enfeita os cabelos.

Vem serenidade,
com o país veloz e virginal das ondas,
com o martírio leve dos amantes sem Deus,
com o cheiro sensual das pernas no cinema,
com o vinho e as uvas e o frémito das virgens,
com o macio ventre das mulheres violadas,
com os filhos que os pais amaldiçoam,
com as lanternas postas à beira dos abismos,
e os segredos e os ninhos e o feno
e as procissões sem padre, sem anjos e, contudo,
com Deus molhando os olhos
e as esperanças dos pobres.

Vem, serenidade,
com a paz e a guerra
derrubar as selvagens
florestas do instinto.

Vem, e levanta
palácios na sombra.
Tem a paciência de quem deixa entre os lábios
um espaço absoluto.

Vem, e desponta,
oriunda dos mares,
orquídea fresca das noites vagabundas,
serena espécie de contentamento,
surpresa, plenitude.

Vem dos prédios sem almas e sem luzes,
dos números irreais de todas as semanas,
dos caixeiros sem cor e sem família,
das flores que rebentam nas mãos dos namorados,
dos bancos que os jardins afogam no silêncio,
das jarras que os marujos trazem sempre da China,
dos aventais vermelhos com que as mulheres esperam
a chegada da força e da vertigem.

Vem, serenidade,
e põe no peito sujo dos ladrões
a cruz dos crimes sem cadeia,
põe na boca dos pobres o pão que eles precisam,
põe nos olhos dos cegos a luz que lhes pertence.
Vem nos bicos dos pés para junto dos berços,
para junto das campas dos jovens que morreram,
para junto das artérias que servem
de campo para o trigo, de mar para os navios.

Vem, serenidade!
E do salgado bojo das tuas naus felizes
despeja a confiança,
a grande confiança.
Grande como os teus braços,
grande serenidade!

E põe teus pés na terra,
e deixa que outras vozes
se comovam contigo
no Outono, no Inverno,
no Verão, na Primavera.

Vem, serenidade,
para que não se fale
nem de paz nem de guerra nem de Deus,
porque foi tudo junto
e guardado e levado
para a casa dos homens.

Vem, serenidade,
vem com a madrugada,
vem com os anjos de oiro que fugiram da Lua,
com as núvens que proíbem o céu,
vem com o nevoeiro.

Vem com as meretrizes que chamam da janela,
volume dos corpos saciados na cama,
as mil aparições do amor nas esquinas,
as dívidas que os pais nos pagam em segredo,
as costas que os marinheiros levantam
quando arrastam o mar pelas ruas.

Vem serenidade,
e lembra-te de nós,
que te esperamos há séculos sempre no mesmo sítio,
um sítio aonde a morte tem todos os direitos.

Lembra-te da miséria dourada dos meus versos,
desta roupa de imagens que me cobre
corpo silencioso,
das noites que passei perseguindo uma estrela,
do hálito, da fome, da doença, do crime,
com que dou vida e morte
a mim próprio e aos outros.

Vem serenidade,
e acaba com o vício
de plantar roseiras no duro chão dos dias,
vício de beber água
com o copo do vinho milagroso do sangue.

Vem, serenidade,
não apagues ainda
a lâmpada que forra
os cantos do meu quarto,
papel com que embrulho meus rios de aventura
em que vai navegando o futuro.

Vem, serenidade!
E pousa, mais serena que as mãos de minha Mãe,
mais húmida que a pele marítima da cais,
mais branca que o soluço, o silêncio, a origem,
mais livre que uma ave em seu voo,
mais branda que a grávida brandura do papel em que escrevo,
mais humana e alegre que o sorriso das noivas,
do que a voz dos amigos, do que o sol nas searas.

Vem serenidade,
para perto de mim e para nunca.
… … ... … ... … … … … … … … … … … … … … … … … … … …
De manhã, quando as carroças de hortaliça
chiam por dentro da lisa e sonolenta
tarefa terminada,
quando um ramo de flores matinais
é uma ofensa ao nosso limitado horizonte,
quando os astros entregam ao carteiro surpreendido
mais um postal da esperança enigmática,
quando os tacões furados pelos relógios podres,
pelas tardes por trás das grades e dos muros,
pelas convencionais visitas aos enfermos,
formam, em densos ângulos de humano desespero,
uma núvem que aumenta a vâ periferia
que rodeia a cidade,
é então que eu peço como quem pede amor:
Vem serenidade!
Com a medalha, os gestos e os teus olhos azuis,
vem, serenidade!

Com as horas maiúsculas do cio,
com os músculos inchados da preguiça,
vem, serenidade!

Vem, com o perturbante mistério dos cabelos,
o riso que não é da boca nem dos dentes
mas que se espalha, inteiro,
num corpo alucinado de bandeira.

Vem serenidade,
antes que os passos da noite vigilante
arranquem as primeiras unhas da madrugada,
antes que as ruas cheias de corações de gás
se percam no fantástico cenário da cidade,
antes que, nos pés dormentes dos pedintes,
a cólera lhes acenda brasas nos cinco dedos,
a revolta semeie florestas de gritos
e a raiva vá partir as amarras diárias.

Vem, serenidade,
leva-me num vagon de mercadorias,
num convés de algodão e borracha e madeira,
na hélice emigrante, na tábua azul dos peixes,
na carnívora concha do sono.

Leva-me para longe
deste bíblico espaço,
desta confusão abúlica dos mitos,
deste enorme pulmão de silêncio e vergonha.
Longe das sentinelas de mármore
que exigem passaporte a quem passa.
A bordo, no porão,
conversando com velhos tripulantes descalços,
crianças criminosas fugidas à polícia,
moços contrabandistas, negociantes mouros,
emigrados políticos que vão
em busca da perdida liberdade.
Vem, serenidade
e leva-me contigo.

Com ciganos comendo amoras e limões,
e música de harmónio, e ciúme, e vinganças,
e subindo nos ares o livre e musical
facho rubro que une os seios da terra ao Sol.

Vem, serenidade!
Os comboios nos esperam.
Há famílias inteiras com o jantar na mesa,
aguardando que batam, que empurrem, que irrompam
pela porta levíssima,
e que a porta se abra e por ela se entornem
os frutos e a justiça.

Serenidade, eu rezo:
Acorda minha mãe quando ela dorme,
quando ela tem no rosto a solidão completa
de quem passou a noite perguntando por mim,
de quem perdeu de vista o meu destino.

Ajuda-me a cumprir a missão de poeta,
a confundir, numa só e lúcida claridade,
a palavra esquecida no coração do homem.

Vem serenidade
lve os vencidos,
regulariza o trânsito cardíaco dos sonhos
e dá-lhes nomes novos,
novos ventos, novos portos, novos pulsos.

E recorda comigo o barulho das ondas,
as mentiras da fé, os amigos medrosos,
os assombros da Índia imaginada,
o espanto aprendiz da nossa fala,
ainda nossa, ainda bela, ainda livre
destes montes altíssimos que tapam
as veias ao Oceano.

Vem, serenidade,
e faz que não fiquemos doentes, só de ver
que a beleza não nasce dia a dia na terra.
E reúne os pedaços dos espelhos partidos,
e não cedas demais ao vislumbre de vermos
a nossa idade exacta
outra vez paralela ao percurso dos pássaros.

E dá asas ao peso
da melancolia,
e põe ordem no caoss e carne nos espectros,
e ensina aos suicidas a volúpia do baile,
e enfeitiça os dois corpos quando eles se apertarem,
e não apagues nunca o fogo que os consome,
o impulso que os coloca, nus e iluminados,
no topo das montanhas, no extremo dos mastros,
na chaminé do sangue.

Serenidade, assiste
à multiplicação original do Mundo:
Um manto terníssimo de espuma,
um ninho de corais, de limos, de cabelos,
um universo de algas despidas e retrácteis,
um polvo de ternura deliciosa e fresca.

Vem, e compartilha
das mais simples paixões,
do jogo que jogamos sem parceiro,
dos humilhantes nós que a garganta irradia,
da suspeita violenta, do inesperado abrigo.

Vem, com teu frio de esquecimento,
com a tua alucinante e alucinada mão,
e põe, no religioso ofício do poema,
a alegria, a fé, os milagres, a luz!

Vem, e defende-me
da traição dos encontros,
do engano na presença de Aquele
cuja palavra é silêncio,
cujo corpo é de ar,
cujo amor é demais
absoluto e eterno
para ser meu, que o amo.

Para sempre irreal,
para sempre obscena,
para sempre inocente
Serenidade, és minha.


(poema de Raul de Carvalho)

Conviver com o sofrimento


Não deixemos nascer em nós aversão pelos inimigos interiores, como as doenças, nem pelos exteriores como os que nos difamam ou os espíritos negativos. Assim deixamos de ser afectados por eles e podemos sentir-nos felizes por existirem. Deixemos de considerar o sofrimento e as circunstâncias adversas como negativas. ganhemos o hábito de sentir apenas alegria em relação a elas e de reconhecer o seu valor, pois as coisas são agradáveis ou desagradáveis dependendo da percepção que delas temos.

Djigmé Tempei Nyima

(le goût du bonheur et de la souffrance, Djigmé Tempei Nyima, Padmakara, pag. 39)

Tal como só encontramos defeitos naqueles que detestamos, também para nós o sofrimento só tem defeitos e inconvenientes. Porém, nada nem ninguém neste mundo é completamente bom ou mau. Se aprendermos a reconhecer as qualidades de algumas situações que consideramos negativas, podemos aceitá-las melhor e até torná-las úteis. Um pouco de reflexão pode ensinar-nos a ver as situações adversas com um outro olhar.

(A Alquimia da Dor, Tsering Paldrön, Pergaminho, pag. 88)

(foto de Pedro Pimenta de Castro)

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A Alquimia da Dor

O titulo desta mensagem é o de um livro escrito por Tsering Paldrön, (Emília Marque Rosa), monja Tibetana e publicado pela Pergaminho em 2004. O seu subtítulo é o de : "Conselhos para transformar o conhecimento".

Eu gostaria de transcrever algumas passagens que considero fundamentais e muito relevantes, pelo que espero que a autora não se importe.

É minha intenção apenas, dar a conhecer que temos não só um problema, o sofrimento mas também a ignorância, mas que isso só é um problema enquanto o pensarmos e sentimos como tal. Nesse sentido irei socorrer-me das suas palavras, que de uma forma simples, nos ajudam a enfrentar os nossos receios.

o que faz um derrame cerebral?

Não posso deixar de partilhar convosco este presente da Rachel (ver abaixo) - uma perspectica científica, abordada de forma tão simples, sobre as nossas funções cerebrais e a forma como estruturamos conceitos de "eu" e "nós", a vida e o universo.

(palavras de Isabel Horta Gonçalves)

Trata-se de uma experiência inusitada, uma neuro-anatomista americana sofreu um derrame num dos hemisférios cerebrais, com isso ela pode  experienciar o que significa o poder do hemisfério direito, sem  racionalização do esquerdo. Para poder compartilhar isto, ela demorou 7 anos. Necessitamos dos dois hemisférios para sermos funcionais. É um caminho que nós humanos ainda tateamos, a fusão do espírito, razão e emoção.

(palavras de Rachel Ferreira)

Obrigado Rosa, por me ter dado a oportunidade de conhecer mais esta experiencia.


Parte [1/2] Meu Derrame de Percepção - Legendado

Parte [2/2] Meu Derrame de Percepção - Legendado

Budismo no Himalaia - Parte I e II (A Ciência da Mente)

Documentário da National Geographic

Budismo no Himalaia - Parte I (A Ciência da Mente)

Budismo no Himalaia - Parte II (A Ciência da Mente)

Jigme Khyentse Rinpoche


Matthieu talks about Jigme Khyentse Rinpoche

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Sabedoria

Sabedoria é saber o que fazer em seguida, pericia é saber como fazer e virtude é fazer

sábado, 12 de julho de 2008


Viver em harmonia deriva naturalmente de ter a noção do nosso lugar na grande ordem das coisas.

(foto de Pedro Pimenta de Castro)

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Terapia Zen

Conhecer o seu propósito neste momento e não há dificuldade em saber o que fazer. Paradoxalmente talvez, ser capaz de agir deste modo significa desistir de controlar o amanhã e o ontem. Faça simplesmente o que está certo agora.

O que é o Budismo

A compaixão e a responsabilidade universal para o nosso desenvolvimento espiritual e para a para a paz do mundo, são a base de toda a prática Budista.