sábado, 21 de abril de 2012

O Labirinto I



A porta havia-se fechado delicadamente. A sua memória recuou para um tempo simultâneo em que aquela porta se fechou consigo lá dentro, numa sobreposição de instantâneos suspensos no tempo, abertos em todos os sentidos, num filme sem-fim. De todas as portas que ouviu, nenhuma apresentava aquela subtileza. Foi um encostar ameno em que o trinco timidamente se libertou, ficando no ar um silêncio de casa vazia, de onde todos os habitantes já tinham saído desta vida mas ainda permaneciam sentados, ou deitados, nos respectivos cantos. Foi cerimoniosamente que aconteceu. Um evento. Mais do que um acaso, uma intensão de deixar ainda mais vazio aquele espaço já de si ausente de qualquer existência. Às imagens de uma porta que se fecha infinitamente na sua memória, junta-se o pingo cadente de uma gota de água, monotonamente persistente, metálica e líquida, prolongando-se no eco de si própria, como uma melodia minimalista, repetitiva e auto-regeneradora, em todos os cambiantes audíveis. O som batia nas paredes, nas janelas, nos móveis e em si próprio, que os duplicava inconscientemente na cabeça, onde camadas de sons de pingos cadentes e de portas a fecharem, se intercalavam com as imagens desses pingos e dessas portas. Sempre o mesmo pingo e nunca o mesmo. Sempre a mesma porta e nunca a mesma, porque o tempo, começava então a pensar para além do presente, não se retia em nenhuma direcção. Era o mesmo tempo em todo o lado, tal como era o mesmo pingo e a mesma porta, sem nunca serem os mesmos elementos, pingo e porta. Queria ser lúcido, mas tudo o que via e ouvia era aquela porta no passado e aquele pingo no presente. O seu pensamento vogava num limbo de sons voláteis como o fogo. Queimava. Deixava de fora a realidade a que se queria ancorar e que ao mesmo tempo, sempre que a aflorava, o amordaçava. O tolhia. Estava prisioneiro daquele instante, como se toda uma vida se resumisse a um clique, simples, de baixa frequência, como a sirene de um navio que se deixa de ouvir com os ouvidos e é o corpo todo o receptor sonoro. Batia-lhe no peito, ferindo-lhe os pulmões, o coração, o estômago, os intestinos, numa dor que se avolumava numa nuvem ao seu redor, e o pingo que não parava, e ele sem forças para se levantar, para gritar. A angústia ia tomando corpo numa náusea absurda. Apetecia-lhe vomitar, mas eram os olhos fechados que teimavam em soltar grossas e longas lágrimas que o queimavam nas mãos. O mundo abria-se então num abismo infindo que excedia a razão.

LAM

Sem comentários: