domingo, 24 de maio de 2015

Em leituras II



“Escrever é tentar saber o que escreveríamos se escrevêssemos”


“Não sei se ainda estás em Caracas, já de regresso a Barcelona ou talvez em algum ponto aéreo entre as duas, escrevi hoje a Villa-Matas. Por cá, já todos lemos a notícia de Rómulo Gallegos, a qual incluía, por alguma razão, apenas comentários teus. O mais interessante: quatro a um não é a mesma coisa que três a dois. Enfim, imagino que já andarás mais calmo sem a carga desse concurso.
Estive a ler Bartleby e Companhia, escrevi-lhe, fazendo referência à sua obra que fala da pulsão negativa dos escritores, da sua atracção pelo nada: escritores que deixaram de escrever. Se Bartleby é a personagem literária que representa o escritor do Não, aquele que preferia não fazê-lo (ou já não o fazer), quem representa então o escritor do Sim? Que personagem literária poderia exemplificar os escritores que sim, preferiam fazê-lo? Passa-me pela cabeça que é nessa batalha que me encontro actualmente. À procura de origens literárias, estou, na realidade, à procura de momentos do Sim, dirijo-me com cautela para o extremo oposto de todos os Bartlebys. Espero não te maçar demasiado com estas insignificâncias.”


“Já sem qualquer brisa, Vladimir viu apenas o peso de uma gota de chuva, brilhando luxuosamente, resplandecendo como um metal liquido, arqueava a ponta de uma pequena folha verde. Silêncio. Viu como este glóbulo prateado deslizava lentamente através da veia central da folha. Quietude. E depois, no mesmo segundo que mais pareceu uma fenda no tempo, viu como a majestosa gota caiu, aliviando a folha daquele tremendo peso e fazendo-a regressar, em rítmicas oscilações, à sua posição original.”


“De nada, Eduardo. Faça-me só um favor, sim? Deixe-se de parvoíces, não faça esse tipo de perguntas estéreis. Não há respostas válidas para a pergunta sobre a razão pela qual alguém se torna escritor e, ainda que as houvesse, seria a mesma coisa, não interessam a ninguém.”


“”Escrever para que me leiam, creio recordar que disse, em algum momento, Oscar Wilde, embora talvez tenha sido André Gide – tendo a confundi-los e para os meus fins pouco importa. Mas monsieur Wilde, objectar-lhe-ia se eu pudesse, porque quer você que o leiam? E o senhor Wilde, audaz, monumental, com o seu génio irónico sempre afinado, talvez me respondesse que quer que o leiam para, assim, poder continuar a escrever.”


Eduardo Halfon: “O Anjo Literário”, Cavalo de Ferro